"A REN e o Turismo"
"'(…) não há vantagens comparativas naturais. Todas as vantagens são socialmente criadas. Mesmo as características físicas e os recursos naturais só são vantagem se houver capacidade organizativa para os 'pôr a render'" (Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT)- 1º relatório. Setembro de 2003).
Foi com esta citação, e com referência expressa à fonte, que iniciei uma das minhas intervenções no âmbito do Observatório do Turismo, que o DE, em parceria com a Deloitte, promoveu no passado dia 28 de Abril e que na edição de dia 3 do corrente foi resumida.
Sirvo-me várias vezes desta afirmação, particularmente impressiva, para marcar um ponto: por muito vantajosas que nos pareçam as condições naturais que o nosso país tem para oferecer, procurarmos fazer delas condições de diferenciação de Portugal como destino turístico exige mais do que a mera constatação das mesmas.
A verdade é que muitos outros destinos que concorrem com Portugal detêm, também, recursos naturais tão ou mais impressionantes que os nossos. O clima, o mar, as paisagens e as florestas (recursos que a equipa do PNPOT reconhece a Portugal no contexto da Europa) só são vantagem competitiva se forem aproveitadas como tal.
É nesse contexto que o sector do Turismo se deve posicionar: em que termos e medida a fruição e aproveitamento dos recursos naturais pode configurar uma marca distintiva de Portugal?
Salientei, ainda, que a riqueza de Portugal nesses domínios é de tal grandeza que possuímos cerca de 20% do nosso território revestido de um regime especial, visto que esta área está classificada no âmbito da Rede Natura 2000 (rede ecológica europeia de zonas especiais de conservação da natureza). Se a tanto somarmos os regimes da REN e da RAN atingimos uma percentagem de pelo menos 60% dos nossos aproximados 90.000 Km2 que estão cobertos de sistemas de protecção, embora com graus de restrição diferentes.
E a propósito da REN disse, no mencionado debate, que este regime que nasceu (em 1983) com um determinado fim – a protecção dos valores ecológicos que exigem uma atenção especial por parte dos poderes públicos, que compagine a protecção estrita dos mesmos com o enquadramento equilibrado das actividades humanas – foi servindo – e a seu tempo com grande vantagem – como 'tampão' imprescindível ao desmesurado e não sustentável crescimento urbano e à preservação dos recursos naturais.
Ora, vinte anos depois da criação da REN, esgotou-se já aquele fim e, neste momento, são vários os especialistas nas matérias de Ordenamento do Território e do Ambiente que vêm expressando as maiores críticas quanto à credibilidade, eficiência e sustentabilidade deste regime. Cito alguns exemplos:
'Sucede que a REN não tem qualquer base ecossistémica, os seus critérios são uma intrujice ofensiva, um insulto à inteligência' - Prof. Sidónio Pardal, in Municípios e Regiões de Portugal, Março 2005.
'A REN (…) transformou-se num tabú da gestão do território, passando a constituir um espaço intocável que cobre extensivamente o solo nacional sem que se saiba ao certo porquê e para quê. (…) A transformação da REN, ao nível regional, municipal e urbano, será a forma de acabar com a aberração de uma REN que foi reconhecidamente mal demarcada, abusivamente ampliada, que é ingerível, e que não tem sustentação social nem económica' - Arqt.º Luís Bruno Soares, in Sociedade e Território.
'(…) ouvimos de forma quase sistemática queixas contra a RAN e a REN, são vistas muitas vezes como um travão ao desenvolvimento e ao crescimento. É preciso compreender com um pouco mais de profundidade (…) É mais uma ineficiência manifesta da Administração Pública, responsável por gerir estas figuras de ordenamento do território. (…) é a constatação de que a nossa administração pública tem muita dificuldade em aplicar de maneira inteligente este tipo de regras. Agarra-se (…) a regras muito rígidas, tornando-se completamente insensível aos problemas concretos que se colocam. Este radicalismo nunca é ambiental, é mais administrativista e uma aplicação cega da lei (…). Preconizamos uma visão positiva da RAN e da REN, defendendo uma forma mais flexível e menos hostil de aplicação'. - Prof. Francisco Nunes Correia, in Pessoas e Lugares, II Série, nº 22, Setembro 2004.
Todavia, e a meu ver, como tive oportunidade de exprimir no Observatório do Turismo, mais grave do que os erros pontuais de certas existências/marcações no terreno de áreas de REN que se revelam não sustentadas cientificamente, é a inexistência de um regime de compatibilidades que permita aferir da viabilidade de certas intervenções humanas, mesmo em áreas REN. Falarmos de 'cabeceiras de linhas de água', 'áreas de infiltração máxima' ou 'áreas com risco de erosão' – valores protegidos pela REN –, não é falarmos sempre da mesma coisa. Nuns casos, é possível, por exemplo, instalar campos de golfe, noutros é possível proceder a impermeabilizações, donde edificar.
A inexistência desse regime de compatibilidades, há muito prometido, vem sendo uma frustração, seja para os empresários do Turismo, seja para os próprios fins a que a REN se destina.
Com efeito, falar-se hoje em desenvolvimento sustentável exige, como é por todos reconhecido, assumir os três pilares da sustentabilidade: ambiental, económica e social.
Tanto assim é que a criação da Rede Natura 2000 se pretende 'assegurar a biodiversidade' deve ter também em conta 'as exigências económicas, sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais' (vide DL n.º 140/99, de 24 de Abril). Aliás, isto corresponde à própria Directiva Habitats, que aquele diploma transpôs: favorecer a manutenção da biodiversidade tomando em consideração as aludidas exigências, o que pode em certos casos, alerta o Conselho, requerer o encorajamento das actividades humanas.
Ocorre significar que nos tais 20% do Território Nacional que se encontram inseridos na Rede Natura 2000 vivem cerca de 300.000 pessoas...
E se é obviamente verdade que 'o Turismo não é um desígnio nacional' – expressão usada por um dos palestrantes no último Congresso da AHP – e não é, também, a salvação e panaceia de nenhum país que se pretende equilibrado e desenvolvido, o Turismo é, seguramente, um instrumento e bordão importante para o desenvolvimento equilibrado do nosso País, sob formas e modelos diferentes.
O que importa, pois, é encontrar, em função da vocação de cada área e da sua capacidade de carga (ecológica, social, cultural), o ponto de equilíbrio entre a preservação dos aludidos valores ambientais e a qualidade de vida das populações.
Daí que, mais do que olhar para a REN como o último reduto, a última 'trincheira' (expressão admirável) contra o caos, seja imprescindível avaliar criteriosamente os valores protegidos por esta reserva e configurá-los com uma visão integradora e humanista do território.
E isto passa pela aludida carta de compatibilidades de usos que dê ao sistema coerência e credibilidade científica que seguramente contribuirá para que o diálogo entre o Turismo e o Ambiente possa ser mais sustentável…" - Cristina Siza Vieira, Diário Económico, 11 de Maio de 2005. (As hipeligações foram acrescentadas)

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